Flores Secas

05:53 Ricardo Rodrigues 1 Comments


    

        Duda olhou os presentes que havia ganhado, entre eles um vidro de perfume, um livro de poesia, algumas embalagens de bombons, os cartões, outros livros que se tornaram inesquecíveis pela forma em que lhe fora apresentada. Ela deu um suspiro triste carregado de dor e frustração. Pegou um saco preto e jogou tudo dentro. Depois seguiu para o quintal, trazendo em uma mão o saco preto cheio de presentes e memórias e na outra uma pá. Violentamente abriu uma cova próximo a um canteiro de margaridas amarelas e jogou o saco dentro. Em seguida encheu a pá de terra, era o sepultamento de tudo. Porém as lágrimas caíram, as mãos ficaram trêmulas e ela não conseguiu prosseguir com o enterro. Mais uma vez frustrada pela fraqueza, ela sentou no chão e chorou como uma criança abandonada e sem esperança. Após o choro de desabafo, concluiu que não faria aquilo com aquelas memórias, e que não tinha o direito de apagar o que havia sido bom, por culpa dos acontecimentos ruins. Ela preservaria o belo. Decidida ela pegou o saco e voltou para o quarto e colocou tudo novamente no lugar. Entrou no banheiro e tomou um banho demorado.
    Após o banho, decidiu deitar um pouco, afinal era domingo, precisava estar descansada para segunda. Deitada, Duda deu uma olhada no celular e conferiu as mensagens. Nenhuma mensagem dele. Guardou o aparelho no criado mudo e tentou dormir, mas não conseguiu. Levantou-se e sentou diante da escrivaninha, abriu o diário e decidiu escrever um pouco. Ao abrir o pequeno caderno caiu de suas páginas três rosas secas. Ela pegou as flores e sua memória devolveu-lhe o dia em que as ganhara. Nervosa, ela espantou estas lembranças. "Flores secas... um dia já foram tão vivas, hoje as vejo tão mortas, assim como todos os sentimentos que lhe trouxeram a mim." Pensou ela, absorvida pela contemplação daquelas rosas mortas.
     O som da campainha soou forte pela casa, despertando-a daquele transe. Sem muito ânimo, Duda foi atender. Ela não estava animada para receber visitas, queria ficar sozinha. Ao abrir a porta seu coração quase salta pela boca, seus olhos não queriam acreditar no que via. Ali diante da porta, parado com as mãos para trás, estava o causador de toda dor que ela estava sentindo. Mateus, o belo rapaz que havia declamado poesias, falado da beleza da vida, citado filósofos e escritores ao seu ouvido, que tinha apresentado a ela um mundo cheio de cores, desde o dia em que lhe dera as três rosas lindas e vivas.  Agora diante dela estava imponente, com o olhar altivo e cheio de orgulho, com os olhos sem brilho, do mesmo jeito que Duda o deixara quando descobriu todas as traições. Quando veio a tona as coisas ruins que ele havia tramado ao lado de falsos amigos e que a prejudicara. O que se juntou a uma ex amiga que tanto mal fizera para Duda no passado para fazê-la engolir um desprezo que não merecia. E agora o que ele fazia ali. Não, Duda não queria vê-lo e iria mandá-lo embora. Porém ele não esperou ela reagir e entrou para sala de estar e sentou. Ela ia falar para ele sair, mas foi interrompida pelas palavras dele, que para ela cortava como navalha, de tão frias que eram.
    - Desculpe Duda! - disse ele - Eu precisava vir aqui e falar para você tudo que está engasgado. Você destruiu tudo. Sua insegurança, seu ciúme. Bem que me falaram para ter cuidado com você. Para você eu fui a melhor pessoa que poderia ser, por você eu fiz coisas que não fiz para mais ninguém e você jogou tudo no lixo. Sabe de uma coisa, você merece acabar sozinha, sem ninguém. Você não merece nem a minha amizade. Eu estou decepcionado, frustrado e machucado por ti. Era isso que eu tinha para falar. Adeus!
    Duda, ao ouvir estas palavras, ditas olho no olho, sentiu o sangue ferver. Hipócrita, como ousa jogar nela toda a culpa. Ela pode ter sido sim ciumenta e desconfiada, mas ele causou toda esta insegurança nela. Ela não o deixaria sair sem lhe ouvir. Já que ele achou que tinha o direito de ir até a sua casa e despejar seus desaforos, ele iria ouvi-la até o fim. Então violentamente ela o empurrou para que caísse sentado no sofá novamente, conseguindo o premeditado.
     - Agora é você Mateus que vai me ouvir. - disse com os olhos cheios de fúria - Eu fui aconselhada por todas as pessoas que te conheciam, a não me aproximar de você, porque segundo elas você tinha este dom de destruir o coração daqueles que te amavam. No entanto eu via esperança em você. Por você e por confiança eu passei por cima de muitas coisas. Fui fiel até o fim, sempre querendo o melhor, sempre procurando retribuir toda a afabilidade, no entanto você só me fazia mal. Não venha dar uma de inocente e decepcionado, pois você não é. Foi baixo, tentando afastar de mim até quem realmente me amava. Uniu-se com quem me queria mal e confeccionou fofocas, não conseguindo ser fiel em nenhum momento. Hoje eu estou experimentando todo o mal que me causou. Mas já dizia minha mãe, nós vivemos para aprender. É preciso decepções para crescer. Eu te dei tantas chances para ser sincero comigo, mas você somente me objetivou. Enquanto para mim você seria tudo, para você eu me tornava cada dia um nada. Hoje estou ferida, mas a dor vai passar, sempre passa. Você não foi o primeiro a me machucar e tenho certeza que não será o último. E diante de tudo isso eu só tenho uma certeza, você sair da minha vida é a melhor coisa que pode me acontecer. Já que sua disposição não era para me amar, sua partida será abertura para que outro que realmente esteja disposto a me dar amor, chegue e faça morada. Vai embora e aproveite cada minuto ao lado das pessoas que estão com você agora. Sinceramente vocês se merecem. Só uma coisa te peço, esqueça que eu existo e não venha tentar me roubar a paz novamente como você fez.
     Duda foi até a porta e a abriu, fazendo sinal para que Mateus saísse de sua casa. Ele abaixou a cabeça e saiu sem dizer nada, afinal, contra fatos não há argumentos. Ela fechou a porta e suspirou aliviada, sentiu que a dor já não doía tanto. Ali naquele rapaz não havia mais esperança. Agora ela precisava erguer a cabeça e recomeçar. A campainha tocou novamente, ela abriu a porta preparada para expulsar Mateus dali se fosse ele novamente. Não era ele, era Felipe. O grande amigo que sempre esteve ao seu lado juntando seus cacos. E até ele Mateus havia tentado afastar dela, o que ele não sabia era que Felipe conhecia bem a Duda e não era qualquer coisinha inventada que iria afastá-los. Com sua tentativa de acabar com a amizade dos dois, Mateus só conseguiu aproximá-los ainda mais.
     - Vi o Mateus sair daqui e vim ver se você estava bem. - disse o rapaz.
    Duda não disse nada, e o amigo leu a resposta em seus olhos, então ele abraçou a amiga e sussurrou no seu ouvido: "Fique bem!" Ela abraçou Felipe ainda com mais força. Ela iria ficar bem. Aquele abraço lhe dava esta certeza... Era o recomeço.
     A nossa vida é assim, cheia de pessoas dispostas a nos amar e infelizmente com pessoas dispostas a nos ferir. Quantas vezes achamos que alguém era um amigo de verdade ou amor de nossas vidas e então confiamos e nos decepcionamos ao descobrir que eram pessoas que não estavam dispostas a retribuir o nosso sentimento e covardemente nos traiu. Era como se o chão se abrisse debaixo dos nossos pés e nos engolisse num emaranhado de dor. No entanto, somos seres criados para o constante recomeço, e de repente uma força maior nos fazia levantar e sacudir a poeira e olhar para frente. Era a possibilidade de recomeçar. Estas intempéries da vida, muitas vezes podem nos roubar a esperança de que existem pessoas melhores, e devemos lutar contra isso. Já dizia Antoine de Saint-Exupéry: "É loucura odiar todas as rosas porque uma te espetou." Sempre haverá alguém para juntar nossos cacos diante daqueles que nos quebraram. Que possamos buscar em nossa vida ser o melhor para os outros e cuidar de cada um como se fossem flores delicadas, mesmo que as vezes estejam secas e envenenadas, lembrando sempre que o recomeço é possível. 

Ricardo Rodrigues
    


1 comentários: