Um Conto de Natal

09:25 Ricardo Rodrigues 0 Comments



      Era véspera de Natal, a calma e o silêncio reinavam no pequeno vilarejo tanto que era possível ouvir as diversas canções dos pássaros sobrevoando de uma árvore a outra. Ao longe Luís viu apenas uma senhora, andando a passos lentos que com certeza iria para a igrejinha que ficava no centro da vila. Era o final da tarde e o rapaz concluiu que as famílias estavam em suas casas preparando as festividades para aquela noite, como de costume naquela data. Ele estava na entrada do vilarejo, em um lugar que lhe dava uma visão privilegiada de todo aquele lugar. Uma vista encantadora daquelas casas antigas de chaminés e flores nas janelas, em harmonia com as grandes e antigas árvores. Colocando a mala vermelha no chão e sentando sobre uma pedra, ele chorou copiosamente, como todo homem de bons sentimentos que não tem vergonha de chorar e colocar para fora em forma de lágrimas as suas dores. O choro era resultado de toda a emoção do retorno, porque ali, já não havia mais o que temer, ele estava em casa.
     Há alguns anos já haviam passado desde que Luís deixou a casa paterna naquele vilarejo para trilhar um caminho que escolhera na cidade grande. Era um rapaz com brilho nos olhos e cheio de sonhos que não lhe cabiam no peito. Ansiava conquistar o mundo, como todo jovem sonhador. Arrumou suas coisas, foi até a cidade vizinha que não era muito maior do que a vila em que morava e partiu no trem da madrugada. A cidade grande ficava longe, léguas de distância do pequeno vilarejo. Além da mala vermelha da mãe, o jovem levou consigo algumas economias que juntou trabalhando como sapateiro com o pai e o desejo de uma vida nova.
     Na cidade grande as coisas não foram fáceis para o jovem Luís. Diferente da pequena vila em que nasceu, onde todas as pessoas se conheciam, naquela cidade as pessoas eram estranhas umas as outras. Com o dinheiro que levou, ele alugou um quartinho em uma pensão. O progresso metropolitano fruto da revolução industria, fazia aquela selva de pedra crescer indiscriminadamente, facilitando, naquela época, a distribuição de empregos na área imobiliária, o que facilitou muito para que Luís não ficasse desempregado por muito tempo indo trabalhar na construção de um edifício que pertencia a um senhor descendente de turcos, chamado Nagib. A simplicidade, a sinceridade e o caráter do jovem Luís conquistou rapidamente a confiança do turco. Não demorou e uma grande amizade nasceu entre eles e Luís virou frequentador assíduo da casa de Nagib, que era casado com Marina e tinha uma filha chamada Clarice, uma moça que adorava escrever romances e ensaios poéticos e tinha a mesma idade que o rapaz. 
     O tempo passou e entre Luís e Clarice foi nasceu uma paixão que não demorou muito a se transformar em amor. Um amor verdadeiro e puro. Luís pediu a mão da moça à família e o senhor Nagib fez muito gosto do namoro dos dois. Assim todos os sonhos do rapaz passaram a serem vividos juntos com a moça amada. Tudo aconteceu como mandava o figurino, noivado e enfim o casamento. Um belo casamento, com toda a família reunida. Até os pais de Luís vieram do vilarejo para o enlace do filho. Depois do casamento Luís e Clarice se mudaram para uma casa cercada por jardins, como ela sempre desejou e ali o jovem casal era a plenitude da felicidade. Carregados de beleza e delicadeza, os primeiros anos de casamento, foram cheios de amor e planos. Acontece que a vida não segue nenhuma cartilha e acaba pregando as suas peças inesperadas, exigindo muitas vezes de nós até mesmo uma força que não temos. Clarice adoeceu, após contrair tuberculose, doença que naquela época ceifou muitas vidas. A pobre agonizou durante alguns meses em uma cama, onde foi cuidada pelo marido. Porém apesar de todo amor e cuidado, ela não resistiu e morreu.
     Com a morte de Clarice, Luís ficou arrasado, parecia que todos os seus sonhos haviam sido roubados. Chorava dia e noite, andava pela casa procurando encontrá-la e quando chegava no quarto e percebia que ela não voltaria mais, tornava a chorar. Com o passar de alguns meses, Luís se tornou irreconhecível. Magro, com a barba grande e sem o brilho nos olhos com que chegou naquela cidade. Preocupado com a saúde do genro, Nagib aconselhou Luís a fazer uma visita a seus pais e retornar  a suas origens. E foi assim que depois de alguns anos ele estava de volta ao vilarejo, sentado em uma pedra e chorando como uma criança.
     Depois de algum tempo ali naquela pedra, ele levantou, pegou a mala e entrou no povoado. Ao passar pela igrejinha, toda enfeitada para o Natal, traçou em si o sinal da Cruz e seguiu em direção a casa dos pais. A sapataria do pai estava fechada, como a família era muito religiosa, uma data como esta era dia de guarda. Ele abriu o pequeno portão de madeira e ao chegar na porta pôde sentir o cheiro da comida que sua mãe preparava, com certeza para ceia. Ele então tocou o sininho que anunciava a chegada de alguém. Ao abrir a porta sua mãe quase desmaiou de surpresa e alegria, abraçando calorosamente o filho. O pai ao ver Luís não conteve as lágrimas. "Olha só quem chegou para o Natal!" disse o senhor abraçando o filho.
     A noite, toda a família foi para a Missa do Galo. O padre fez um sermão sobre a necessidade de deixar Jesus nascer na manjedoura do nosso coração. Depois da missa, um coral começou a cantar na porta da igreja a canção "Noite Feliz." Luís parou, olhando para o coro deixou-se absorver pela música. A letra cantada, falava do pobrezinho que nasceu em Belém, sem luxo, amparado somente pelo amor de um pobre casal. Ele permeou a história daquele acontecimento que marcou a humanidade inteira. O Menino-Deus, dado por amor para salvação do mundo. O pequeno Jesus que mal chegara ao mundo estava ameaçado pela ganância de um rei temeroso de perder seu poder, decretando a morte da criança. Porém segundo a tradição bíblica, a sabedoria divina guiou José e Maria até o Egito para que o bebê fosse salvo. De acordo com que a história da salvação passava por sua cabeça, seu coração enchia-se de paz e a esperança era renovada. Era Jesus nascendo em seu coração e devolvendo-lhe a fé e o brilho dos olhos. Os sonhos voltavam juntos com a vontade de viver.
     É preciso ter fé na vida, acreditar em algo para que se acenda a esperança. Uma vida sem esperança é fria, sem amor e letárgica. Este é o verdadeiro sentido do Natal, redescobrir a esperança adormecida dentro de cada um, o Deus que nasce e renasce a cada ano dentro de nós independente da crença. Fazer o Natal acontecer dentro de nós através dos abraços, do perdão e da sabedoria em reconhecer as fraquezas e limitações alheias abrindo caminhos para o amor onde as ceias deixam de ser um momento só para se fartarem de comida para que todos saciem o coração. Só assim cada recomeço será possível.

     Um Feliz Natal a todos os leitores do Encanta Contos e um 2017 repleto de realizações na certeza de que o Natal é todo dia!


Ricardo Rodrigues

Ilustração: Imagem da Internet

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