Um Conto de Natal

09:25 Ricardo Rodrigues 0 Comments



      Era véspera de Natal, a calma e o silêncio reinavam no pequeno vilarejo tanto que era possível ouvir as diversas canções dos pássaros sobrevoando de uma árvore a outra. Ao longe Luís viu apenas uma senhora, andando a passos lentos que com certeza iria para a igrejinha que ficava no centro da vila. Era o final da tarde e o rapaz concluiu que as famílias estavam em suas casas preparando as festividades para aquela noite, como de costume naquela data. Ele estava na entrada do vilarejo, em um lugar que lhe dava uma visão privilegiada de todo aquele lugar. Uma vista encantadora daquelas casas antigas de chaminés e flores nas janelas, em harmonia com as grandes e antigas árvores. Colocando a mala vermelha no chão e sentando sobre uma pedra, ele chorou copiosamente, como todo homem de bons sentimentos que não tem vergonha de chorar e colocar para fora em forma de lágrimas as suas dores. O choro era resultado de toda a emoção do retorno, porque ali, já não havia mais o que temer, ele estava em casa.
     Há alguns anos já haviam passado desde que Luís deixou a casa paterna naquele vilarejo para trilhar um caminho que escolhera na cidade grande. Era um rapaz com brilho nos olhos e cheio de sonhos que não lhe cabiam no peito. Ansiava conquistar o mundo, como todo jovem sonhador. Arrumou suas coisas, foi até a cidade vizinha que não era muito maior do que a vila em que morava e partiu no trem da madrugada. A cidade grande ficava longe, léguas de distância do pequeno vilarejo. Além da mala vermelha da mãe, o jovem levou consigo algumas economias que juntou trabalhando como sapateiro com o pai e o desejo de uma vida nova.
     Na cidade grande as coisas não foram fáceis para o jovem Luís. Diferente da pequena vila em que nasceu, onde todas as pessoas se conheciam, naquela cidade as pessoas eram estranhas umas as outras. Com o dinheiro que levou, ele alugou um quartinho em uma pensão. O progresso metropolitano fruto da revolução industria, fazia aquela selva de pedra crescer indiscriminadamente, facilitando, naquela época, a distribuição de empregos na área imobiliária, o que facilitou muito para que Luís não ficasse desempregado por muito tempo indo trabalhar na construção de um edifício que pertencia a um senhor descendente de turcos, chamado Nagib. A simplicidade, a sinceridade e o caráter do jovem Luís conquistou rapidamente a confiança do turco. Não demorou e uma grande amizade nasceu entre eles e Luís virou frequentador assíduo da casa de Nagib, que era casado com Marina e tinha uma filha chamada Clarice, uma moça que adorava escrever romances e ensaios poéticos e tinha a mesma idade que o rapaz. 
     O tempo passou e entre Luís e Clarice foi nasceu uma paixão que não demorou muito a se transformar em amor. Um amor verdadeiro e puro. Luís pediu a mão da moça à família e o senhor Nagib fez muito gosto do namoro dos dois. Assim todos os sonhos do rapaz passaram a serem vividos juntos com a moça amada. Tudo aconteceu como mandava o figurino, noivado e enfim o casamento. Um belo casamento, com toda a família reunida. Até os pais de Luís vieram do vilarejo para o enlace do filho. Depois do casamento Luís e Clarice se mudaram para uma casa cercada por jardins, como ela sempre desejou e ali o jovem casal era a plenitude da felicidade. Carregados de beleza e delicadeza, os primeiros anos de casamento, foram cheios de amor e planos. Acontece que a vida não segue nenhuma cartilha e acaba pregando as suas peças inesperadas, exigindo muitas vezes de nós até mesmo uma força que não temos. Clarice adoeceu, após contrair tuberculose, doença que naquela época ceifou muitas vidas. A pobre agonizou durante alguns meses em uma cama, onde foi cuidada pelo marido. Porém apesar de todo amor e cuidado, ela não resistiu e morreu.
     Com a morte de Clarice, Luís ficou arrasado, parecia que todos os seus sonhos haviam sido roubados. Chorava dia e noite, andava pela casa procurando encontrá-la e quando chegava no quarto e percebia que ela não voltaria mais, tornava a chorar. Com o passar de alguns meses, Luís se tornou irreconhecível. Magro, com a barba grande e sem o brilho nos olhos com que chegou naquela cidade. Preocupado com a saúde do genro, Nagib aconselhou Luís a fazer uma visita a seus pais e retornar  a suas origens. E foi assim que depois de alguns anos ele estava de volta ao vilarejo, sentado em uma pedra e chorando como uma criança.
     Depois de algum tempo ali naquela pedra, ele levantou, pegou a mala e entrou no povoado. Ao passar pela igrejinha, toda enfeitada para o Natal, traçou em si o sinal da Cruz e seguiu em direção a casa dos pais. A sapataria do pai estava fechada, como a família era muito religiosa, uma data como esta era dia de guarda. Ele abriu o pequeno portão de madeira e ao chegar na porta pôde sentir o cheiro da comida que sua mãe preparava, com certeza para ceia. Ele então tocou o sininho que anunciava a chegada de alguém. Ao abrir a porta sua mãe quase desmaiou de surpresa e alegria, abraçando calorosamente o filho. O pai ao ver Luís não conteve as lágrimas. "Olha só quem chegou para o Natal!" disse o senhor abraçando o filho.
     A noite, toda a família foi para a Missa do Galo. O padre fez um sermão sobre a necessidade de deixar Jesus nascer na manjedoura do nosso coração. Depois da missa, um coral começou a cantar na porta da igreja a canção "Noite Feliz." Luís parou, olhando para o coro deixou-se absorver pela música. A letra cantada, falava do pobrezinho que nasceu em Belém, sem luxo, amparado somente pelo amor de um pobre casal. Ele permeou a história daquele acontecimento que marcou a humanidade inteira. O Menino-Deus, dado por amor para salvação do mundo. O pequeno Jesus que mal chegara ao mundo estava ameaçado pela ganância de um rei temeroso de perder seu poder, decretando a morte da criança. Porém segundo a tradição bíblica, a sabedoria divina guiou José e Maria até o Egito para que o bebê fosse salvo. De acordo com que a história da salvação passava por sua cabeça, seu coração enchia-se de paz e a esperança era renovada. Era Jesus nascendo em seu coração e devolvendo-lhe a fé e o brilho dos olhos. Os sonhos voltavam juntos com a vontade de viver.
     É preciso ter fé na vida, acreditar em algo para que se acenda a esperança. Uma vida sem esperança é fria, sem amor e letárgica. Este é o verdadeiro sentido do Natal, redescobrir a esperança adormecida dentro de cada um, o Deus que nasce e renasce a cada ano dentro de nós independente da crença. Fazer o Natal acontecer dentro de nós através dos abraços, do perdão e da sabedoria em reconhecer as fraquezas e limitações alheias abrindo caminhos para o amor onde as ceias deixam de ser um momento só para se fartarem de comida para que todos saciem o coração. Só assim cada recomeço será possível.

     Um Feliz Natal a todos os leitores do Encanta Contos e um 2017 repleto de realizações na certeza de que o Natal é todo dia!


Ricardo Rodrigues

Ilustração: Imagem da Internet

0 comentários:

É Proibido Viver! (2ª Parte)

14:03 Ricardo Rodrigues 0 Comments


    Maria caminhou vagarosamente pelo pátio carregando duas grandes malas, fotografando tudo com os olhos. Ela era apaixonada pela profissão de professora e desde que começou a lecionar, Maria entregava-se de corpo e alma ao trabalho. Aprendeu a amar profundamente o instituto e as crianças e ter que ir embora deixava seu coração em frangalhos. Como uma pessoa que não a conhecia e nem conhecia as crianças chegava ali aterrorizando a todos e com tamanha crueldade achando-se no direito de cortar as asas de seus sonhos? Os olhos não conseguiram mais segurar as lágrimas insistentes, tudo aquilo era muito doloroso e mesmo que ela tentasse segurar, a dor era mais forte que ela.
    Lúcio andou até Maria, balançando no ar uma folha de papel dobrada, com aquele sorriso que todos sabiam que era carregado de maldade. Os alunos saíram das salas de aula e se aglomeraram no pátio para se despedirem da professora tão querida por todos. Alguns perderam o medo que a presença do diretor impunha e correram até a professora e lhe ofertaram flores e abraços. Lúcio entregou a folha de papel para Maria.
    - Por favor... - implorou a professora, sem a intenção de se humilhar, pensando no bem estar e nas necessidades das crianças.
    - Você me desafiou minha cara! - disse Lúcio com um carinho falso - Todos precisam saber que no Instituto Sagesse* eu sou a lei. Eu não suporto atitudes subversivas. Adeusinho minha querida professora.
    
*****

    Três meses depois, o Instituto Sagesse ficou do jeito que o diretor Lúcio desejava. O mural estava cheio de memorandos com as novas regras e os castigos eram constantes. Nada ali lembrava mais a administração da adorável antiga diretora Melânia, a começar pela sala da direção. No tempo dela a sala era pintada com uma tinta rosa bem clarinha, com vários quadros de paisagens nas paredes e vasos de flores nos cantos, na nova gestão os quadros foram removidos, os vasos foram substituídos por grandes e feias estátuas de corujas. Aliás Lúcio venerava as corujas, talvez por ter os olhos e a cara parecidos com uma. Atrás da cadeira do diretor um enorme quadro com a imagem dele acariciando uma dessas aves pousada no braço direito. Era até um tanto assustador ver tantas corujas espalhadas pelo cômodo. Sua coleção era tão grande que a prateleira de livros foi esvaziada para acomodar as corujinhas de vários tamanhos e cores, de plástico, madeira, vidro, porcelana e até mesmo de resina compradas em lojas de suvenires. Era a realização de um sonho de menino, desde que ganhou a primeira corujinha de gesso aos nove anos, que o emprego no instituto possibilitou realizar. Da antiga diretora ficou somente uma vitrola em um canto da sala.
    Lúcio também havia ganhado um apelido, tanto pelos alunos quanto pelos professores, que pelas costas do diretor o chamavam de "Senhor Proibido", convenhamos que haviam mais apelidos um tanto agressivos como "Coruja do Mal", "Sapo Cururu", entre outros mais pesados, no entanto o mais usado era "Senhor Proibido", devido a grande mania de proibições que ele tinha. Sempre que o diretor era visto caminhando pelo instituto enquanto anotava em um caderninho de capa preta, logo em seguida aparecia no mural um novo memorando com novas proibições. Suas regras sempre começavam com a seguinte inscrição "É proibido...", procurando eliminar qualquer sinal de felicidade ou prazer daqueles que viviam no instituto.

*****

    Os memorandos fixados no mural por taxinhas com as "Leis Excelentíssimas do Instituto Sagesse", como o próprio diretor Lúcio nomeou as regras, seguiam na seguinte ordem:
    "É proibido o cultivo e a difusão de flores no Instituto Sagesse. Qualquer espécie encontrada dentro da instituição será cortada e os responsáveis serão devidamente punidos" . Todo o jardim do Instituto deixou de existir. Gostar de flores é de uma sensibilidade indescritível, dificilmente uma pessoa que não aprecia a beleza efêmera e delicada das flores é uma boa pessoa, as flores muitas vezes consegue até revelar o caráter de alguns.
   "É proibido cantar, assim como cantarolar ou até mesmo assoviar, isso vale até mesmo para os pássaros. A avezinha que for vista cantarolando no pátio do Instituto Sagesse será abatida e servida como comida a Claudius, minha coruja de estimação." Acabaram-se as aulas de música, professora Lindalva, que ensinava a nobre arte musical, foi destituída do cargo e substituiu a professora Maria no ensino da gramática e literatura. Mais triste que uma casa sem sorrisos, é uma casa sem música. Tudo fica vazio e frio.
   "É proibido qualquer sinal de amizade, já que ela não existe. Os alunos que forem pegos em grupos de duas ou mais crianças, serão interrogados e castigados por subversão". Somente a mais amarga das pessoas afirmaria que amizade não existe e viveria na escuridão que uma vida sem amizades propicia, pois quem encontrou um amigo encontrou a luz para não caminhar sozinho pelo mundo, pois amigos são como candieiros que iluminam a estrada do coração. Esta regra surgiu depois que alguns alunos se rebelaram com o diretor escondendo uma galinha morta dentro do guarda-roupa de Lúcio, que ao passar de alguns dias apodreceu entre as roupas, o odor insuportável fez com que ele jogasse todas as suas vestimentas fora. Ele nunca descobriu quais foram os responsáveis pela travessura, por isso decidiu proibir qualquer formação de grupos na instituição para liquidar qualquer união que pudesse planejar retalhação aos seus métodos sádicos.
    "É proibido qualquer festividade que não seja o aniversário do diretor, somente neste dia será servido doces e se poderá ouvir músicas no Instituto Sagesse. No entanto deverá ser preservado a seriedade da instituição, onde sorrisos mais largos serão considerados maliciosos e o autor será retirado da comemoração". A vaidade de se achar superior a tudo e a todos é uma das características marcantes de todo ditador. Hitler fazia com que toda a Alemanha celebrasse com festa e fogueiras o seu aniversário. Talvez ele tenha conhecido Lúcio em uma viagem que o diretor fez a Alemanha em 1934.
   E as proibições disparatadas continuavam pelo mural a fora, "É proibido sorrir..." ,"É proibido comer doces..." , "É proibido conversas paralelas...", "É proibido admirar o pôr-do-sol...", "É proibido ler quadrinhos...", e a lista de proibições, primeiramente anotadas no famoso caderninho de capa preta e depois expostas, pareciam não ter mais fim.

*****

    Existe um velho ditado que diz: "Bata em um cachorro por muito tempo e ele lhe morderá", agrida de forma verbal ou física uma pessoa que você acredita ser inferior a você e ela revidará (embora ninguém é superior ou inferior a ninguém). Era o ano de 1939, já fazia sete anos em que Lúcio havia assumido a direção do Instituto Sagesse e espalhado o pânico àquelas crianças, embora algumas já não eram tão crianças assim, como Aurélio, o primeiro a experimentar um dos castigos que o diretor trouxe para o internato, agora era um adolescente que estava em seu último ano na instituição e ele acreditava que era hora de Lúcio receber um pouco do próprio veneno.
   Como não podiam se reunir em locais públicos da escola como o pátio para não serem pegos, as reuniões aconteciam paralelamente nos dormitórios masculinos e femininos. Luísa, uma garota sardenta que tinha a mesma idade de Aurélio, liderava as adolescentes do seu dormitório, enquanto Aurélio liderava os rapazes. O dormitório infantil masculino ficou a cargo de Rafael, um garotinho negro, cuja a inteligência estava a frente de seu tempo, e o feminino infantil era de Amanda, uma menina de cabelos castanhos que usava óculos fundo de garrafa além de ser mestre em persuasão. Os líderes dos grupos se comunicavam através de bilhetinhos e todos os alunos, cansados de tantas proibições e castigos se aliaram no grande plano de vingança.
    Segundo Aurélio o plano seria executado no dia do aniversário do diretor que seria no próximo mês. A primeira missão foi invadir o dispensa do instituto na madrugada e conseguir os itens da seguinte lista: 1) um rojão; 2) tintas a base de água de diversas cores; 3) um balde; e 4) bexigas de festa. A segunda missão foi invadir a cozinha e roubar uma das velas que seriam colocadas sobre o bolo de aniversário. Esta talvez teria sido a tarefa mais difícil, se não existisse Rodolfo, um aluno gordinho que assaltava a cozinha todas as noites a procura de comida e conhecia cada palmo do lugar. Com todos os itens roubados bem escondidos debaixo das camas nos dormitórios era só esperar o dia da festa e executar tudo nos mínimos detalhes.
     
*****

    Eis que chegou o grande dia. Enquanto alguns alunos e os professores organizavam as mesas e as cadeiras no pátio do instituto, as cozinheiras corriam de um lado para o outro para prepararem toda a comida e terminar o grande bolo. Aurélio, Luísa, Rafael e Amanda, conseguiram sair sem serem percebidos, enquanto os outros alunos davam cobertura. Reunidos em um só dormitório Amanda e Luísa foram para o banheiro e ali elas dissolveram a tinta na água e encheram as bexigas de festa, que depois de amarradas eram colocadas no balde. Fizeram isso até acabarem as bexigas e as diversas cores de tinta. Aurélio e Rafael retiraram a bomba do rojão e a grudaram em um barbante com fita adesiva, barbante este, que substituiu o pavio da vela, deixando a bomba protegida e ligada diretamente a ela. Em seguida revolveram o explosivo com fita adesiva para a umidade do bolo não atrapalhar o grande plano. Estava tudo pronto. Na hora certa, Rodolfo entraria na cozinha e colocaria o artefato no bolo enquanto os outros alunos, discretamente pegaria sua bexiga cheia de água e tinta no balde escondido debaixo da mesa em que Luísa estivesse sentada.
    Na grande vitrola foi colocado para tocar um disco de Harold Arlen, já que era o único dia em que se podia ouvir música no Instituto Sagesse, e este era o único cantor que Lúcio gostava, o que era uma grande ironia. O diretor entrou no pátio como sempre usando um terno novo todo branco com uma gravata borboleta vermelha e abotoaduras em forma de duas corujinhas de ouro. Em uma das mãos segurava uma corrente fina e um pouco comprida amarrada em uma pequena argolinha presa na pata direita da sua coruja de estimação chamada Claudius. Depois de colocar Claudius em um poleiro feito especialmente para ele, Lúcio bateu as mãos três vezes e disse:
    - Que comecem as festividades do meu natalício!
    Enquanto alguns empurravam o carrinho com o grande bolo para perto da mesa de comida e bebidas, bexigas eram passadas de mão em mão por debaixo das mesas. Rodolfo fez um sinal discreto com o dedo  para Aurélio, avisando que a havia conseguido colocar a vela no bolo. O mais rápido possível Aurélio iniciou um telefone sem fio cochichando "Ao sinal do bolo, bexigas voarão! Passe adiante..." informando a cada um o momento certo para o gran finale do plano.
    Lúcio desfilava de um lado para o outro com um sorriso largo, já que os sorrisos largos eram proibidos para os outros, era como se ele se sentisse único no mundo. Como costume ele distribuiu a todos chaveiros baratos com pingente de coruja, em seguida caminhou até um púlpito colocado ali no pátio especialmente para o discurso anual do diretor. E mais uma vez ele discursou sobre a sua grandeza e de como ele transformou o Instituto Sagesse é uma das instituições mais sérias do país, colocando fim a subversão e defendendo com garra a "moral" e os "bons costumes".
   - E agora que cantemos juntos a música de parabéns para mim. - disse Lúcio finalizando o discurso - Porque se tem alguém no Instituto Sagesse que merece todo o PA-RA-BÉNS do mundo, este alguém sou eu!
   Enquanto Lúcio andava do púlpito até o grande bolo de aniversário coberto com glacê branco, a cozinheira acendia as velinhas com as mãos trêmulas. Depois de acesas iniciaram a música acompanhada por palmas. Agora eram os alunos que sorriam com uma certa malicia se deliciando da vingança. Após a música Lúcio aproximou o rosto do bolo para soprar as velas e o inesperado por ele aconteceu. O pavio da velinha falsa queimou mais rápido alcançando a pólvora do explosivo retirado do rojão, fazendo com que o bolo virasse uma grande bomba e explodisse em pedaços para todos os lados, sujando o diretor da cabeça aos pés. Todos ficaram em silêncio enquanto Lúcio inchava igual a um baiacu e bufava, primeiramente ficando amarelo, depois verde e por fim vermelho de raiva.
    - AGORA - gritou Aurélio, quebrando o silêncio.
   Milhares de bexigas voaram pelo ar de vários lados acertando o diretor e estourando em seu terno branco, que antes estava sujo de bolo, passava a ter várias cores devido a tinta misturada a água. O que se passou depois do ataque das bexigas foi um verdadeiro pandemônio. Lúcio corria atrás dos alunos assim como um animal persegue a presa, enquanto os eles faziam guerra de comida e corriam para todos os lados. Os professores assutados, se jogaram para debaixo da mesa procurando se protegerem do verdadeiro campo de guerra que o pátio havia se tornado. Um dos alunos mais travessos, arrancou o mural com os memorandos e correu até o centro do local onde estava instaurada a bagunça e acendeu uma fogueira queimando todas as regras.
    Ao ver as "Leis Excelentíssimas do Instituto Sagesse" em chamas, Lúcio soltou os alunos que segurava e agarrou o garoto que havia acendido a fogueira com suas regras e o deitou em seu colo dando-lhe uma surra de palmadas. No entanto o inferno do diretor estava só começando. Em pleno ato de maldade alguns pais chegaram no instituto flagrando Lúcio em ação, sem conseguir acreditar no que viam.
   - Vocês estão assustados com estas palmadas? - disse Luísa a um dos país - Este castigo é o menor de todos.
   Aurélio havia pensado em tudo. Conhecendo o diretor, ele sabia que depois que o plano fosse colocado em ação, ele não ficaria quieto e colocaria  toda a sua fúria para fora. Como os pais jamais acreditariam nas formas de castigo que Lúcio aplicava com os alunos contando a eles, era preciso que viessem ali e vissem com os próprios olhos. Isso fez o garoto pedir aos colegas que escrevessem a seus pais convidando-os em nome do diretor para a grande festa de aniversário, alterando o horário para que chegassem no momento exato.

*****

   - O senhor está demitido. - disse o dono do instituto ao entregar a carta de demissão a Lúcio, três dias depois do ocorrido.
   - O senhor não pode fazer isso. - retrucou Lúcio - O Instituto é minha vida!
    - Não só posso como devo. Francamente senhor Lúcio, pendurar crianças em árvores, usar palmatórias, agredir verbalmente os alunos. Existem escolas que usam a palmatória, mas isso foi uma ferramenta que nunca admiti em meu instituto. Isso é coisa de bárbaros. Dona Melânia, antes de morrer havia provado que uma educação fundamentada no amor, no respeito e na amizade é muito mas eficaz que o uso da violência.
    - Eu posso explicar, senhor...
    - Nem mais uma palavra. Os alunos viajam amanhã de férias e o senhor irá arrumar as suas coisas e sairá do meu instituto. O meu escritório choveu de cartas de pais querendo processar este lugar que foi erguido com tanto trabalho e dedicação.
    - Mas eu pensei que...
    - Não pensou! Se tem uma coisa que o senhor não fez aqui foi pensar, pois se tivesse refletido não teria cometido estas atrocidades. O senhor vai embora daqui, eu já tenho até uma substituta para o seu lugar.
    - Como assim, uma substituta?
    - Qual parte da frase "está demitido" o senhor não entendeu? A senhorita Maria que o senhor demitiu do Instituto Sagesse no passado, foi diretora de uma escola na cidade e ela transformou a instituição em que trabalhava em modelo de educação, educando os alunos com os mesmos princípios da falecida diretora Melânia. Ela é a pessoa ideal para levantar a moral do Instituto Sagesse e restaurar os ânimos dos alunos. E isso é só, acho melhor o senhor ir arrumar suas coisas, já que com tanta tralha levarás um bom tempo para encaixotar tudo.

*****

    Depois de guardar em malões seus pertences que estavam no quarto do diretor, Lúcio foi até a sala da direção recolher suas corujas, seu quadro e alguns livros. Ele olhou para vitrola que ficava em um canto e ao lado dela o disco de Harold Arlen, que ele pegou e colocou para rodar. A canção Over the Rainbow soou pela sala. Lúcio começou a chorar. Sua vida estava completamente arruinada, depois do que aconteceu, ele não arrumaria mais nenhum trabalho como professor. O desespero começou a fazer seu coração palpitar. Durante os sete anos de instituto ele juntou algum dinheiro, mas sem trabalho não duraria muito tempo. O desespero transformou-se em raiva e ele empurrou a prateleira cheia de corujas de encontro ao chão. As lágrimas voltaram a brotar e ele sentou no chão, pensou em Maria que ele expulsou dali e dentro de alguns dias iria voltar como diretora. "Será que realmente a vida cobra da gente tudo de ruim que fazemos?" pensou ele "Minha mãe dizia que avida era dividida em três etapas, a de semear, a de cultivar e a de colher. Eu achava tudo isso uma besteira, até chegar o meu tempo de colher o que plantei".
    O sol começava a se pôr entre os montes, colorindo o céu de um laranjado intenso. Lúcio olhou sobre a mesa e viu seu caderninho da capa preto aberto. Nele estavam anotadas todas a regras que durante sete anos ele elaborou e se fez cumprir com eficácia. Ele foleou o objeto até parar em uma página quase toda em branco, exceto por uma frase escrita  a lápis. Era uma nova regra. Ele não lembrava de ter escrito aquilo, mas como tudo que estava escrito ali tinha que ser cumprido, pois se tornava lei, ele iria cumprir.
    - "É proibido viver..." - leu em voz alta.
   Ele olhou pela janela e viu a velha azinheira seca ao longe, iluminada pelos últimos raios do sol. Depois Lúcio foi até a vitrola, voltou a mesma música e aumentou o volume do toca discos no máximo a saiu do Instituto. Andou em direção a velha e morta árvore.
   - É proibido viver... - dizia ele baixinho enquanto caminhava - ...se você torna a sua vida miserável, é proibido viver se você esquece o que é o amor, é proibido viver sem amigos, é proibido viver sem sorrir, é proibido viver amargurado e amargurando a vida dos outros, é proibido viver sem sonhos, é proibido viver sem música, é proibido viver sem as flores, é proibido viver como eu vivi.
    Da azinheira ainda era possível ouvir bem baixinho a música que personificava a esperança e que falava de um ideal onde o mundo era construído com mais amor e alegria.  A canção que falava que o céu se abriria e os problemas se derreteriam como gotas de limão. A melodia que era tudo o que ele poderia ter sido e não foi.
    Aos pés da árvore tinha um banquinho de madeira e em um galho alto estava amarrada um corda formando uma forca. Lúcio subiu no banquinho e colocou a cabeça dentro do laço formado pela corda e sorriu tristemente, sem nenhuma maldade. Era o seu primeiro sorriso sincero. Depois o ex-diretor do Instituto Sagesse respirou fundo e pulou do banquinho. A música deixou de tocar no mesmo momento em que a respiração Lúcio parou. Ele já estava morto há muitos anos, e embora houvesse possibilidades de ressurreição, ele não enxergou nenhuma porque lhe faltava a esperança.

FIM

Ricardo Rodrigues


"Este conto é uma história de ficção embora seja inspirado em uma pessoa real. Claro que quem me inspirou a escrever esta história não pendurava ninguém de ponta cabeça em árvores, porém o original conseguia ser deploravelmente pior."


* Sagesse: É uma palavra francesa que traduzida para o português literalmente significa "Sabedoria".


Ilustração: Imagem da Internet


0 comentários:

É Proibido Viver! (1ª Parte)

06:29 Ricardo Rodrigues 0 Comments


    Lúcio rodou com dificuldade a manivela do velho Trojan 1912, o sol estava escaldante, nunca havia feito tanto calor assim como naquele verão de 1932, os jornais diziam que era o verão mais quente da história do país. Os braços doeram e ele parou um instante para secar o suor que brotava da testa com um lencinho branco com barra de crochê e um grande L dourado bordado a mão por sua mãe. Depois de secar o rosto, chutou a roda do carro que ele desejava tanto trocar, afinal mesmo sendo a única coisa que o pai lhe deixara, era o único carro que ainda era a manivela ali da região. Ele até que ficava impressionado de como aquela lata velha mesmo depois de vinte anos ainda funcionasse. Lúcio suspirou e voltou a rodar a manivela com força até que o carro pegou e ele seguiu viagem. Este ritual foi repetido por ele mais seis vezes até chegar ao seu destino.

*****

    O Instituto Sagesse* era um internato de meninos e meninas que ficava distante da cidade. Fundado no final do século XIX por um francês que viera com a família para o Brasil trazendo consigo a sofisticação da educação europeia. A instituição recebia crianças de todo o país para aprenderem as disciplinas primárias e secundárias, além de francês, latim, inglês e etiqueta. O prédio do internato, um edifício de três andares cor de terra com grandes janelas, era cercado por pequenos morros verdes e campos forrados de flores silvestres. Seu muro amarelo protegia as crianças de possíveis animais selvagens e evitava a fuga daquelas mais travessas. No pátio além de alguns balanços, tinha um enorme jardim com vários canteiros abarrotados de coloridas flores que eram usadas em decorações das salas, quartos e refeitório do instituto. Existiam ali também, bancos de madeira posicionados propositalmente debaixo de algumas árvores para que as crianças deleitassem com conforto de suas sombras. Era um lugar tranquilo e seguro.

*****

    Lúcio não era uma pessoa feliz. Ele estava completamente morto por dentro. A incapacidade de administrar os sofrimentos e frustrações vividas aliadas a uma fraqueza de caráter havia feito com que ele alcançasse a mais profunda amargura, corrompendo qualquer possibilidade de se abrir para a felicidade e as belezas da vida. Muitos diriam que seria melhor morrer do que viver assim, no entanto Lúcio preferia viver e com um objetivo certo; já que não conseguiu ser feliz ninguém em sua volta jamais desfrutaria da felicidade. Ele próprio faria questão de garantir isso, espalhando sua amargura onde colocasse os pés. O triste em toda esta história é que Lúcio escondia a sua demência por trás do velho terno de casimira, que apesar de surrado ainda dava boa presença ao seu corpo alto, disfarçando a barriga estufada e redonda, além das pernas que se esqueceram de engordar e eram finas como dois palitos espetados em uma batata roliça. O sorriso falso naquele rosto de lua cheia, velava a maldade estampada nos olhos grandes e arregalados iguais aos de uma coruja pronta para abocanhar o rato, olhos esses, que duplicava de tamanho por trás dos óculos de armação quadrada usados para ajudar e a manter o disfarce de bom professor.
    Quando o pai, Adolfo, morreu, Lúcio como o novo homem da família aos dezessete anos teve que se virar com uma casa hipotecada e o velho carro do pai, para tentar alimentar a mãe reumática, Beatriz, e a irmã Luciana que era só um ano mais nova que ele. Com esforço terminou os estudos e virou professor, enquanto Luciana fugiu com um rapaz que lhe prometeu uma vida de rainha e no fim fez dela mulher da vida. Sem conseguir saldar as dívidas da casa, Lúcio e dona Beatriz foram despejados de forma desumana na rua da amargura. Desgostosa com o destino da filha e a perda da casa que viveu sua família, Dona Beatriz não resistiu e entregou-se a morte, afinal o coração da senhora já não aguentava mais tantas intempéries e simplesmente parou de bater. A Lúcio restara apenas o Trojan 1912, o lencinho branco bordado pela sua mãe e para aumentar a desgraça em sua vida ele descobriu que estava com diabetes.
    Depois desta tragédia, se ainda existisse algum resquício de humanidade no coração de Lúcio, fora evaporado como água no calor. Ele conseguiu dar algumas aulas e se manter em uma pensão. Criara para si uma imagem de professor sério e comprometido com a disciplina e a ordem, sempre demonstrando austeridade. Os alunos tinham tanto medo do professor, que as vezes aplicava castigos medievais, ao ponto de em suas aulas ser possível ouvir o barulho de uma agulha caindo no chão. E foi por passar uma falsa imagem de homem íntegro e comprometido que ele foi indicado como substituto da falecida diretora de um Instituto no interior do estado. O salário era bom e ele poderia fazer uma boa economia já que moraria no internato, garantindo sua alimentação e moradia. Com o dinheiro economizado compraria um carro novo e daria entrada em um apartamento na capital.

*****

    Dona Melânia foi diretora do Instituto Sagesse por mais de trinta anos. Uma senhora de coração puro, amava a profissão e as crianças. Sabia lidar com as travessuras e em seus métodos de educação sempre colocava amor e gestos de carinho. Era amada por todos os professores e alunos, devido ao seu olhar que trazia sempre o brilho da ternura e a boca era carregada de sorrisos, típicos de quem ama a vida. Ela deu ao internato o toque da beleza de seu coração, projetando o jardim e os demais espaços de convivência prazerosos.
    Fora dos muros da instituição existia uma velha azinheira de troncos retorcidos com a copa ampla e arredondada em seus dez metros de altura, proporcionando uma gostosa sombra nos dias quentes de verão. Embora esta árvore tivesse sido plantada anos antes da chegada de Dona Melânia, debaixo de suas sombras era o local preferido da diretora. Ela era encontrada ali nas horas livres lendo um bom livro sentada em uma cadeira de descanso trazida pelo zelador do instituto ou quando tinha alguma decisão séria a tomar, ela se encostava no tronco e punha-se a pensar. Seu amor pela azinheira era tão grande que quando a pobre diretora, já suspirando os últimos ares de vida, pediu que fosse levada até a árvore para se despedir. Sob as sombras da velha amiga e cercada pelos alunos e professores, Dona Melânia fechou os olhos e abraçou a morte com a sabedoria de quem soube viver bem a vida; com amizade e acolhida. Em meio aos prantos a azinheira também demonstrou sua tristeza e reciprocidade, ao deixar que o vento levasse todas as suas folhas, sobrando somente tronco e galhos. Nunca mais voltou a brotar uma só folha e ela ficou ali desfolhada e sem vida.

*****

    Três meses se passaram desde a morte da diretora, então o dono do instituto anunciou que o internato ganharia uma nova direção. A notícia da chegada do novo diretor deixou todos alvoraçados e esperançosos de que ele fosse tão bom quanto a falecida Dona Melânia. Lindalva, professora de música, ensaiou uma bela canção com as crianças, enquanto professora Maria, que ensinava gramática e literatura, junto a um grupo de alunos do último ano trabalharam na composição de poesias de boa vindas. O zelador, que era chamado carinhosamente por todos de Tonho, colheu as flores mais bonitas do jardim para que Luíza, a faxineira, fizesse um lindo buquê para ser entregue. As cozinheiras fizeram diversos doces, quitutes, bolos e salgados para festejarem, enquanto os demais professores decoraram o pátio. Tudo estava pronto e organizado para receber com pompas o novo diretor.
    Quando Lúcio entrou no pátio do Instituto Sagesse se deparou com os alunos bem alinhados e uniformizados junto a seus professores, música, flores e alegria. Ali poderia ter sido o a sua abolição de todo peso causado por tanta amargura acolhendo aquele gesto carinhoso com o coração aberto. No entanto Lúcio ergueu a sobrancelha direita e olhou a tudo com reprovação, como se todos ali estivessem contaminados por uma doença contagiosa. Depois pediu que parassem com a música a tempo de ouvir Aurélinho, um dos alunos do primário dizer:
    - Virgem Santa! Ele tem um papo enorme igual a um pelicano!
    - Aurélio! - repreendeu a professora Maria, ficando vermelha constatando que pequeno tinha razão, embora aquilo fosse uma falta de educação - Não fale assim do diretor. Sabes muito bem que não se faz comentários maldosos com a aparência física das pessoas.
    Lúcio, ainda com a sobrancelha direita erguida, abriu ainda mais os olhos e deu um sorrisinho maldoso de canto de boca. Caminhou até a lixeira mais próxima em silêncio e jogou o buquê dentro do cesto, esfregou as mãos uma na outra como se estivesse limpando-as. Depois andou até o centro do pátio e cruzou os braços na altura do peito apoiando-os na barriga redonda.
    - As coisas no Instituto Sagesse estão completamente diferente do que me foi falado. - disse sem alterar a voz - Será que alguém pode me explicar que brincadeira de mal gosto é esta? Fizeram da instituição um verdadeiro pandemônio. Eu pensei que chegaria aqui e encontraria ordem e respeito, mas o que eu vejo são alunos malcriados e professores que se acharam no direito de transformar um lugar sério em baile de carnaval.
    "Devo tomar uma atitude imediatamente como novo diretor. Alunos e professores, escutem com atenção. Eu sou reconhecido pela ordem e pela moral e acredito que toda criatura humana deve ser educada dentro destes princípios. Noto que este instituto necessita de uma ação imediata, antes que as coisas fujam do controle. A partir de hoje os professores serão devidamente cobrados por resultados satisfatórios dentro das novas regras que eu elaborarei. Aquele que descumprir, será impiedosamente demitido. Quanto aos alunos, castigos exemplares serão aplicados de acordo com as penalidades cometidas."
    Lúcio caminhou até a mesa onde estava toda a comida preparada para a fracassada festividade de boas vindas, pegou um figo cristalizado e mordeu um pedaço, cuspindo-o em seguida aos pés da cozinheira.
    - EU SOU DIABÉTICO! - gritou o diretor - Se eu não posso comer doces, em consideração a MIM, ninguém mais comerá doces aqui. Pegue toda esta comida e jogue para os porcos.
    - Mas senhor diretor... - disse a cozinheira tentando argumentar.
    - Cale-se! - retrucou Lúcio - Faça o que estou mandando ou pegue as suas coisas e coloque-se para fora desta instituição.
    A cozinheira abaixou a cabeça e temerosa de perder o emprego começou a recolher a comida da mesa. Lúcio andou novamente para o centro do pátio e voltou a falar.
    - Venha até aqui garoto. - chamou  ele apontando para Aurélio, que olhou para o chão e sem desviar os olhos dos pés, caminhou até o diretor - Assim que cheguei aqui este aluno fez uma pilhéria dizendo que eu tenho um papo semelhante a um pelicano. Um chiste grave que não posso deixar passar sem punição. - dirigindo-se ao zelador, Lúcio continuo falando - Tonho, vá buscar uma corda. - Tonho ficou imóvel - O senhor por algum acaso está surdo, zelador? Quer que eu te mande embora daqui para que limpe seus ouvidos bem longe?
    Tonho, a passos lentos, saiu e voltou com uma corda bem segura em uma das mãos e entregou ao diretor. Os professores e alunos olhavam para o pequeno Aurélio e para Lúcio sem sequer piscarem os olhos. O medo estava estampado na face de todos. "O que ele irá fazer com esta corda?" questionavam alguns em pensamento. "Será que ele terá a ousadia de bater em Aurélio?" pensavam outros.
    - Para provar que minha palavra é lei, - explicou Lúcio - e para que sirva de lição a todos que vierem tentar burlar as regras do Instituto Sagesse, este aluno será castigado da seguinte forma: o zelador irá amarrar esta corda nos pés do jovenzinho aqui e irá pendurá-lo de cabeça para baixo naquela árvore. - anunciou apontando para uma árvore no jardim - Ele ficará ali até que  aprenda a controlar a língua.
    - O SENHOR ESTÁ LOUCO! - gritou a professora Maria correndo até Aurélio e abraçando o aluno, compadecida e a assustada - Isso é medieval, irei dar queixas do senhor ao dono do instituto! - os olhos castanhos da professora já não conseguiam segurar as lágrimas.
    - A SENHORITA ESTÁ ME DESAFIANDO? - gritou o diretor de volta batendo a mão direita no peito - EU ENTENDI ERRADO OU A PROFESSORA ESTÁ CRITICANDO OS MEUS MÉTODOS EFICAZES DE EDUCAÇÃO?
    - SÓ OS SEUS ATOS DE DESUMANIDADE! - gritou Maria ainda mais forte - É INADMISSÍVEL O QUE O SENHOR QUER FAZER ALÉM DE SER MONSTRUOSO E CRUEL.
    - Tonho! - chamou o diretor - Faça o que eu mandei. - Lúcio olhou desafiadoramente para Maria e concluiu - Pendure o garoto.
    Maria tentou impedir, porém Lúcio a segurou. Com lágrimas nos olhos e com as mãos trêmulas, Tonho tentava amarrar a corda nos pés de Aurélio que chorava copiosamente. Vendo que o zelador não estava conseguindo laçar a corda, Lúcio empurrou Maria e ele mesmo amarrou os pés do garoto e o pendurou na árvore como se fosse um enfeite de Natal, só que de cabeça para baixo. O diretor sorria enquanto todos os outros que presenciavam  cena de maldade choravam. Aurélio fico dependurado três minutos, embora ele tivesse a sensação de que passou horas.  O próprio diretor foi até a árvore e desamarrou o garoto que foi amparado imediatamente pela professora Maria.
    - Isso é tudo! - disse o diretor - Voltem todos para os seus afazeres. Menos a senhorita Maria. - falou com os olhos de coruja fixos na professora - No Instituto Sagesse você não leciona mais. Está demitida. - e com um sorriso carregado de maldade e gozo determinou - A senhorita tem três horas, a partir deste instante, para pegar suas coisas e sair daqui. Quando completar este tempo eu não quero nem sentir o seu perfume aqui neste lugar.

Continua...

Ricardo Rodrigues


"Este conto é uma história de ficção embora seja inspirado em uma pessoa real. Claro que quem me inspirou a escrever esta história não pendurava ninguém de ponta cabeça em árvores, porém o original conseguia ser deploravelmente pior."


* Sagesse: É uma palavra francesa que traduzida para o português literalmente significa "Sabedoria".

Ilustração: Imagem da Internet

0 comentários: