Cinzas
– Qual o problema? – Perguntou o amigo.
– Meus medos! – Respondeu Ivana.
– De certa forma todos temos os nossos medos. As fobias fazem
parte da nossa vida. – Acrescentou o amigo. – São nossos medos que nos mantem vivos.
– Mas este medo que eu sinto é terrível. Não acredito que ele irá
me manter viva. Muito pelo contrário, ele me aproxima da morte. Eu sinto isso.
– Você está sendo dramática Ivana, como sempre para variar.
– Não é drama meu amigo. Quem dera se fosse. Eu sei que sou
dramática as vezes, mas não em relação a este medo que vem me consumindo dia após
dia.
– Você já pensou em procurar um analista? Dizem que eles nos
ajudam a trabalhar nossos medos.
– Nessa crise dos diabos você acha mesmo que eu tenho dinheiro
para procurar analista? Desempregada, fazendo uma faculdade pública de merda em
um curso que nem futuro tem.
– Talvez você consiga pelo SUS.
Ivana não controla o riso. Mas ela não sorri com felicidade, a
risada é nervosa, é fria, é emoção sem equilíbrio, é contraditória, é
desesperadora.
– Até que eu consiga uma vaga pelo SUS este medo já me devorou inteira.
– Contrapôs Ivana a ideia do amigo. – Quando sair uma vaga eu já terei amarrado
uma corda no pescoço.
– Essa coisa de amarrar a corda no pescoço é brincadeira né?
– Lógico que é! Mas tenho pensado em overdose de barbitúricos ou cortar
o pulso e ver o sangue esvair até a última gota. Você já reparou o quanto o
sangue é bonito? Há alguns dias atrás fui fazer um exame e me tiraram um bocado
bom de sangue numa seringa enorme. Eu fiquei embasbacada ao ver como meu sangue
é grosso e escarlate. Eu acho que ficaria pulcro ele escorrendo pelo piso do
banheiro, criando desenhos abstratos pelo caminho trilhado.
– Para Ivana! Que assunto mais despropositado.
O silêncio paira naquela sala, Ivana aproxima do amigo que está
sentado no sofá, pensativo, e repousa a cabeça no colo dele.
– Você tem um cigarro aí? – Pergunta ela, roubando-o do devaneio e
o trazendo de volta para realidade.
– Tenho sim! – Responde o amigo tirando um maço de cigarros do
bolso. Ivana pega, tira um cigarro, acende e dá uma primeira tragada profunda soltando
lentamente a fumaça em seguida. O amigo guarda o maço no bolso novamente e fica
olhando a amiga que lembra uma chaminé liberando aquela fumaça cinza com cheiro
de tabaco. – Eu nunca tinha ouvido você falar na possibilidade de um suicídio antes.
– O suicídio nada mais é que uma consequência de nossos medos. –
Responde Ivana depositando as cinzas de cigarro no cinzeiro acomodado no chão
ao lado do sofá. – Não é drama meu amigo. O medo é real.
– Então me fale desse medo. Quem sabe eu não posso te ajudar.
– Você acredita no amor?
– Então você tem medo de amar?
– Não, não é isso. Eu não tenho medo de amar. Gosto de amar e sou
até intensa nisso.
– Se você não tem medo de amar, explique, pois, o que o amor tem a
ver com seu medo?
– Tudo. Afinal, não basta apenas que eu ame. Isso não é difícil.
– Estou confuso. Seja mais clara Ivana.
– Eu tenho medo de nunca ser amada. É isso que me consome e vai me
matando um tiquinho, dia após dia. É terrível passar pela vida sem nunca
experimentar a sensação de ser amada e desejada. No fim, não basta dar amor e
não receber amor de volta.
Ricardo Rodrigues
Este conto é o quinto da série"Diálogos Absurdos"
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